Mudanças estão redefinindo a paisagem agrícola brasileira, estimulando mais produtores a alinharem as suas lavouras aos apetites chineses.
No ano de 2016, o agricultor brasileiro Gustavo Lopes realizou uma avaliação mais criteriosa dos resultados obtidos em sua fazenda, esmiuçando números das áreas com grãos e da parte cultivada com cana-de-açúcar. Ele também considerou as tendências globais, incluindo as crescentes tensões comerciais, e o excesso de oferta persistente do mercado de açúcar. Então, ele decidiu acabar com o último canavial que ainda existia na fazenda e terminou um contrato de fornecimento de décadas com uma usina de açúcar local.
Lopes agora planta apenas grãos na fazenda de 1.600 hectares no interior de São Paulo. A soja toma conta de praticamente toda a área no verão, uma aposta que tem dado bom retorno especialmente nos últimos meses, quando compradores chineses se voltaram para a soja da América do Sul depois que Pequim impôs tarifas sobre a oleaginosa dos Estados Unidos.
O agricultor vendeu a sua soja restante pelo maior preço que já conseguiu. “Isso foi incomum para essa época do ano”, disse Lopes durante entrevista em sua fazenda, onde ele se prepara para plantar mais uma safra de soja a partir de setembro. “Deve ser resultado da demanda chinesa.”
As mudanças dos fluxos comerciais estão redefinindo a paisagem agrícola brasileira, estimulando mais produtores a alinharem as suas lavouras aos apetites chineses. As plantações de soja do país cresceram 2 milhões de hectares em dois anos – uma área do tamanho do Estado norte-americano de Nova Jersey – enquanto a região usada para cana diminuiu quase 400 mil hectares, de acordo com dados do governo.
A demanda crescente de carne da China supervalorizou as importações da soja usada para ração animal. O gigante asiático pagou 20,3 bilhões de dólares no ano passado por 53,8 milhões de toneladas de soja do Brasil, quase metade de toda a produção nacional. Em 2012, as importações foram de 22,8 milhões de toneladas, para efeito de comparação.
Uma nova tarifa chinesa de 25 por cento sobre a soja norte-americana, em retaliação às taxas impostas ao país pelo presidente dos EUA, Donald Trump, deve levar as exportações brasileiras da oleaginosa para uma máxima da série histórica neste ano.
As exportações de soja do Brasil para a China subiram para quase 36 milhões de toneladas na primeira metade de 2018, alta de 6 por cento ante o ano passado. Em julho, houve uma alta de 46 por cento na comparação com 2017, para 10,2 milhões de toneladas.
O boom da produção brasileira de grãos colocou o Brasil como principal rival dos EUA como o maior produtor de soja do mundo neste ano, depois de ultrapassar as exportações norte-americanas nos últimos anos. Toda essa soja está consumindo o cinturão de cana do Brasil, que está sofrendo com as mínimas de múltiplos anos dos preços do açúcar. As tarifas chinesas sobre o adoçante pressionaram o mercado global da commodity, que já sofria com o excesso de oferta. Além disso, há um movimento em nações desenvolvidas de corte no consumo do produto.